Engajamento: um nível de exceção?
16 mar 2023Postado por Sqed
– Por Luis Fernando Saraiva
Desde que iniciei a incursão pelo mundo da comunicação interna, a palavra que mais ouço é “engagement”. Profissionais de RH, comunicação interna, inovação e líderes de área buscam esse objetivo como a pílula milagrosa para diversos problemas. “Não temos resultados bons porque as pessoas não se engajam”, “Já tentamos de tudo mas é difícil atrair a atenção das pessoas”, “duplicamos o envio de emails mas as pessoas não leem”, “as pessoas só participam se ganham alguma coisa”… Entre várias outras, essas são colocações muito comuns de se ouvir. De tão repetidas, resolvi estudar o “engagement” mais a fundo. Usei o método científico partindo da seguinte hipótese: nos tempos atuais, ainda é possível existir o conceito de “engagement”?
A primeira coisa a fazer foi entender origens e conceitos:
– a origem da palavra “engajamento”, segundo o site origemdapalavra.com.br é do Francês medieval ENGAGIER, de EN GAGE, “sob compromisso, sob promessa”, de EN, “fazer”, + GAGER, “compromisso, garantia”. Originalmente, portanto, estar engajado significa estar comprometido com alguma coisa
– segundo o site qlearsite.com, o engajamento dos funcionários começou em 1990, com o conceito introduzido por Kahn em seu artigo “Psychological Conditions of Personal Engagement and Disengagement at Work”, publicada no Academy of Management Journal. O artigo de Khan enfocou o engajamento e o desengajamento no local de trabalho – por um lado, o “aproveitamento” da autoidentidade dos funcionários para suas funções de trabalho e, por outro, o “desacoplamento” dessa relação.
– com a evolução do pensamento gerencial, o conceito de engajamento passou a incluir novos atributos como participação ativa, envolvimento, dedicação, afetividade, satisfação e motivação.
O trabalho de observação mostrou que o engajamento, como originalmente concebido, funcionava muito bem no ambiente industrial, com o dono do negócio estabelecendo uma relação afetiva com os funcionários e, a partir dela, a criação de laços de comprometimento. Muitos anos antes de o conceito ser definido, Bill e Dave, fundadores da HP, já praticavam a construção do engajamento, surpreendendo o mundo corporativo ao dizerem que “as empresas existem para satisfazerem as necessidades dos funcionários”. “Vestir a camiseta” era ao mesmo tempo o mantra e a métrica do engajamento.
O tempo passou e chegamos a 2023… O mundo do trabalho é remoto, os “donos” estão distantes fisicamente ou separados dos funcionários por vários níveis hierárquicos, a pressão trimestral por resultados não deixa tempo para as lideranças se desenvolverem, resultados menos bons geram demissões massivas, definições de valores corporativos nem sempre equivalem às práticas do dia a dia, a geração Z chega ao mercado buscando incessantemente causas globais e individuais… No meio de tudo isso, a relação entre empresas e funcionários, pela definição de engajamento, precisa ter envolvimento, satisfação e afetividade. Parece uma equação impossível… Sofro genuinamente quando vejo os líderes de RH e CI, com KPIs orientados para o aumento do engajamento, buscando uma plataforma de software como a bala de prata.
Com essa realidade posta, imaginei se o legítimo conceito de engajamento não seria como startups unicórnios: apenas algumas poucas empresas chegarão lá. Muitas outras terão níveis menores de engajamento, que talvez não possamos chamar de engajamento, mas de níveis de conexão. O engajamento “de fato”, com sua semântica, seria reservado ao nível máximo de conexão, aquele onde cultura, lideranças e práticas funcionam como um relógio Suiço em termos de coerência, apresentando a todas as pessoas da empresa um ambiente pelo qual vale a pena se empenhar, lutar e até mesmo, criar laços afetivos. Cheguei a pensar por um momento que esse nível máximo de conexão (engajamento) não seria mais possível nos dias de hoje, mas a observação de algumas empresas me fez repensar – sim, é possível, mas raro, muito raro.
Como conclusão, gostaria de tentar tirar um pouco a pressão dos RHs e times de comunicação interna na busca do engajamento como bala de prata. Busquem melhorar a conexão passo a passo, trabalhando com métricas atingíveis. Poucas empresas se tornam unicórnios, mas as demais são muito saudáveis e rentáveis. Concentre-se mais em desenvolver lideranças que pratiquem “de fato” o que está descrito nos valores e cultura da empresa (geração Z escolhe onde trabalhar muito pelas causas defendidas pela empresa), estabeleça, sem preconceito, relações de troca ganha-ganha para atingir objetivos de curto prazo até que conexões altas ou até mesmo o engajamento sejam estabelecidos e, por fim, não esperem que plataformas de software resolvam sozinhas o desafio do engajamento. Elas sem dúvida ajudam e facilitam o processo quando trabalham aliadas aos novos conceitos de gestão, mas são apenas o “gran finale” de um processo lento, gradual e cuja subjetividade torna a avaliação da evolução bastante difícil.