Slow Communication (ou por que já passamos do fundo do poço e precisamos fazer alguma coisa sobre isso)

29 jun 2022

Postado por PAES Digital

 

 

Quando comecei a escrever este artigo, não sabia qual título usar. O tema estava perfeitamente ajustado na minha cabeça, mas o elemento inicial que atrai a atenção, não.

 

A razão é que não se trata de criticar a comunicação como feita atualmente (ou as mensagens de texto ou o e-mail), mas apenas ponderar que já passamos do fundo do poço e, se não pensarmos diferente, vamos seguir indo ainda mais para o fundo (cujas consequências ainda nem conhecemos).

 

Estudando os excessos da comunicação, deparei-me com o livro “The Tyranny of E-mail” (A Tirania dos e-mails), de John Freeman. John é um famoso crítico literário americano e escreveu este livro em 2011.

 

Na época, ele verificou que o americano médio recebia mais de 200 e-mails por dia e que as caixas-postais guardavam mais de 1.300 e-mails não lidos. Isto foi em 2011! Casualmente, conversei com um amigo que me confidenciou na semana passada ter 32.000 e-mails não lidos em sua caixa-postal.

 

Aos e-mails, juntaram-se as mensagens de texto, representadas desde os antigos SMS até os nem tão modernos Whatsapp, Telegram e Slack, entre outros. As plataformas de chat (ou mensagens de texto) não substituíram o e-mail (até por terem papéis diferentes na comunicação), mas somaram-se a ele como um acelerador de tempo de resposta (ou pelo menos uma tentativa de fazer isso acontecer).

 

Dado este fenômeno, fui buscar o cenário das mensagens de texto na atualidade e então encontrei no The Guardian, periódico inglês, o artigo “Text anxiety: why too many messages make us want to throw our phones at the wall”; em tradução livre, “Ansiedade das mensagens de texto: por que tantas mensagens nos fazem querer jogar os telefones na parede”), escrito em 2021 por Brianna Holt. Aqui a coisa ficou realmente desastrosa.

 

Os números pioraram, e muito, para nosso cérebro gerenciar tudo isso (embora ainda sejamos o mesmo ser humano lá de 2011 – a evolução de uma espécie não acontece em apenas 10 anos). A população americana tem, em média, 47 mensagens de texto não lidas e 1.602 e-mails não abertos (e os americanos quase não usam Whatsapp como os brasileiros).

 

Todo esse volume, somando-se e-mails e mensagens de texto, geram algumas matemáticas e estatísticas estranhas e preocupantes (análise feita com a população americana).

 

– As pessoas verificam seu celular a cada 4 minutos e em torno de 344 vezes por dia.

– 70% das pessoas ouvidas utilizam seu celular no banheiro.

– 67% das pessoas enviam mensagens de texto para alguém que está no mesmo ambiente.

– 40% das pessoas enviam mensagens de texto enquanto estão dirigindo.

 

Estes e outros números podem ser encontrados neste link; o que, aliás, seria também um ótimo título para este artigo (viciados em celular).

 

Deixando de lado a parte curiosa e preocupante, encontramos o lado mais preocupante ainda, aquele que afeta a saúde e modifica nossa sociedade, não necessariamente para o bem.

 

Analisando o mundo do trabalho, imaginemos o seguinte cenário (hipotético, claro): um profissional em posição de gestão, em um ambiente ultra competitivo, que possui um time para liderar, trabalhando em uma estrutura matricial. Ao longo do dia, este profissional vai receber em torno de 150 mensagens de texto associadas ao trabalho e outros 150 e-mails. Fará em torno de 6 reuniões de 1 hora em média.

 

Se demorar 30 segundos para responder a cada mensagem de texto, através do processo seleção, leitura, cognição, tomada de decisão e escrita, e 1 minuto para cada e-mail (seguindo o mesmo processo), terá ocupado no dia 3 horas e 45 minutos apenas com mensagens de texto e e-mails (associados ao trabalho).

 

Somando-se isso a 6 horas de reunião, teremos quase 10 horas trabalhadas. Não estão aqui somadas outras atividades como construção de apresentações, obrigações corporativas, leitura de documentos e aquelas às vezes consideradas por nós como menos importantes: desenvolvimento pessoal, socialização, almoço, beber água e ir ao banheiro.

 

Claro, também não estão aqui incluídas as outras 150 mensagens de texto da família e dos amigos além das redes sociais. Conclusão: é demais… muito demais! E onde isso nos leva?

 

Segundo o mesmo artigo de Brianna Holt, que inclui também as redes sociais, há problemas como burnout, ansiedade, culpa, vergonha e FOMO (fear of missing out – medo de estar perdendo alguma coisa). Se voltarmos para o cenário (hipotético) descrito, como as consequências do excesso impactam o profissional em questão?

 

Burnout: sua capacidade de resolver tantas coisas em 8 horas de trabalho é insuficiente e sua exigência e o ambiente competitivo dizem “você está falhando ou vai falhar em breve, e isso vai acabar com seu emprego”.

Ansiedade: falta de tempo para responder a tudo, entendendo que respostas não enviadas vão gerar problemas, além de respostas e comentários que demoram a chegar.

– Culpa: por não conseguir dar conta de tudo e isso acarretar em consequências graves, como a perda do emprego.

Vergonha: a falsa visão de que os colegas conseguem fazer tudo.

FOMO: perder alguma coisa pode significar ficar de fora de decisões importantes ou mesmo de grupos.

 

Estes problemas não são novos e não existem novidades aqui. O ponto é: por que não conseguimos nos livrar deles? De cada 10 empresas com as quais converso, 9 dizem não aguentar mais o excesso de mensagens de texto e e-mails, mas 8 seguem incrementando o número de grupos e enviando mais e-mails para tentar melhorar a comunicação… Como todo o problema, precisamos aceitar que ele nos pertence, para então refletirmos em como mudá-lo. Mas isto não é fácil…

 

Procurando por um movimento semelhante ao “Slow Food”, encontrei no The Wall Street Journal o “Slow Communication”, em um ensaio do mesmo John Freeman, intitulado “Not so Fast” (Não tão rápido).

 

Achei melhor transcrever aqui algumas passagens que me encantaram muito (e que podem ser lidas no artigo, na íntegra).

 

“A infinitude da Internet sempre esbarra no duro fato de nossa natureza animal, nossos limites físicos, as dimensões de nosso presente cognitivo, a capacidade super-aquecida de nossas mentes.”

 

“Nós vamos morrer, isto é certo; e todos que já amamos e com quem nos importamos morrerão também; às vezes — dolorosamente — antes de nós. Ser outra pessoa, viajar pelo mundo, fazer novos amigos dá-nos um alívio temporário desse conhecimento, que é poupado da maior parte do reino animal.”

 

“A ocupação – ou a ocupação simulada do vício em e-mail (e de todas as outras mensagens de texto – adição minha) – amortece a dor dessa consciência, mas nunca pode submergi-la totalmente.”

 

“Dado que nossos dias são limitados, nossas horas preciosas, temos que decidir o que queremos fazer, o que queremos dizer, o que e com quem nos importamos, e como queremos alocar nosso tempo para estas coisas dentro dos limites que não mudam e que não podemos mudar. Em suma, precisamos desacelerar.”

 

Sim, precisamos desacelerar, mas antes de mais nada, precisamos pensar diferente – soluções novas para problemas novos. O desafio é que o novo consome tempo para ser aprendido e este é justamente o ponto que as ferramentas atuais tentam fazer: encurtar tempo. Como sair desse labirinto? Minha crença é que o passo inicial é a cultura empresarial (aliás, como sempre).

 

Cabe à empresa entender a problemática e a consequência para as pessoas e então rejeitar o que é danoso e buscar o que é saudável; o segundo passo é a transformação das lideranças segundo a cultura corporativa (e aqui também não temos novidades).

 

“Walk the talk”, como dizem os americanos, ou “faça o que você fala”. De nada adianta uma cultura na parede e lindos discursos, se os métodos e práticas utilizados pelas lideranças seguem sendo os mesmos de sempre; e, por fim, as plataformas tecnológicas. Assim como as habilidades humanas, cada plataforma também tem as suas.

 

O uso inadequado leva a uma enorme perda de produtividade e desconforto para quem as usa. Ao mesmo tempo, as plataformas também são mais ou menos ansiosas. Cabe a cada organização decidir o mix correto a ser utilizado para diferentes necessidades.

 

Para quem chegou até aqui, o que muito me honra, concluo este artigo com um dos melhores parágrafos escritos pelo John Freeman, e que vem ao encontro do que penso sobre comunicação corporativa.

 

“Continuar neste ambiente de comunicação techno-rave iluminado por luzes estroboscópicas será destrutivo para as empresas. Os funcionários que se comunicam a uma velocidade vertiginosa cometem erros.”

 

Eles esquecem, cruzam fronteiras que existem por um motivo, cometem erros desleixados, ofendem clientes, espalham rumores e fofocas que nunca passariam por canais offline, trabalham muito além do ponto em que suas contribuições são úteis, esgotam-se e quebram, e depois têm problemas desligando e se recuperando. A rotatividade produzida por este estilo de vida de comunicação não pode ser sustentada.

 

“Para aperfeiçoar as coisas, a velocidade é uma força unificadora”, disse o piloto de corridas Michael Schumacher. “Para as coisas imperfeitas, a velocidade é uma força destrutiva.”

 

Nenhuma empresa é perfeita, nem qualquer indivíduo.

 

Texto de Luís Fernando Saraiva 

CEO e Co-Founder da Sqed

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