É possível inovar na comunicação?
3 ago 2022Postado por PAES Digital
Apesar de o título já fazer uma pergunta (que vou tentar ajudar a responder), é necessário, para começarmos esta leitura, definirmos sobre qual comunicação este texto se refere e, depois, desmistificar inovação (palavra já cansada, usada o tempo inteiro, muitas vezes sem seus melhores predicados).
Vamos começar pelo início então: comunicação.
Qual comunicação?
O foco aqui é na comunicação dita interna ou privada, aquela comunicação que trabalha com conteúdo que não é público, mas destina-se apenas a funcionários, fornecedores, parceiros, investidores, associados, alunos e até mesmo a clientes de uma organização.
Esse conteúdo trabalha com dados, informações e conhecimentos da organização e é gerado por pessoas de diferentes áreas, times e comunidades ou mesmo por sistemas e dispositivos. Ele nada tem a ver com o veiculado via redes sociais, que costuma ser aberto para qualquer público e geralmente é gerado (e gerido) pela área de marketing.
Agora falando sobre a inovação:
Você ou pessoas da empresa onde trabalha certamente já fizeram muitas inovações muito antes da palavra virar moda: quando começaram a usar o Whatsapp ao invés do telefone, quando decidiram criar uma linha de produtos para outro público, quando decidiram usar novos materiais para reduzir os custos e tornarem-se mais sustentáveis.
Algumas vezes a inovação foi pequena, outras foi grande, mas estava lá. A intensidade da palavra “inovação” no mundo de hoje está associada à cultura da organização.
Sim, a inovação precisa acontecer em todos os lugares, está na “alma” de todas as pessoas e pode ocorrer em qualquer lugar. Talvez o mais complexo para esta mudança seja o fato de que a inovação pressupõe erros; e erros, em uma visão imediatista, custam tempo e dinheiro. Quando temos métricas claras sobre os ganhos buscados, fica fácil justificar os erros naturais do processo. Compre uma nova máquina que irá aumentar a produtividade, mas destrua vários produtos até ela estar calibrada.
Você certamente vai enfrentar barreiras iniciais altas pelo preço da máquina, depois críticas duras pelos produtos destruídos; mas, quando tudo estiver acertado, os números falarão por si só.
Já quando as métricas não são óbvias, em geral quando trabalham com o fator humano, a coisa complica bastante. Aqui paro de falar sobre a inovação, deixando pronta a conexão para iniciar a focar no título deste texto. Afinal, comunicação é um processo 100% pessoas.
A minha resposta imediata sobre se é possível inovar na comunicação (interna, como já vimos) é “sim”, é possível.
É possível criar novos canais, é possível inovar nos conteúdos, é possível trabalhar com “gamificação”, é possível descentralizar a geração dos conteúdos, é possível utilizar novas ferramentas, é possível convencer o CEO a fazer vídeos rápidos… Esta lista é só um pequeno exemplo de várias inovações que podem ser implementadas.
O tamanho da inovação vai depender do impacto que ela gera e do esforço para que saia do papel e vire realidade. É aqui que entra o fator chave, na minha forma de ver as organizações, que vai catapultar ou sepultar projetos: a cultura organizacional – e que é responsável pelo fator seguinte, as lideranças.
Vamos seguir o mesmo processo do case da máquina para aumentar a produtividade, mas agora pensando na pessoa de RH ou comunicador interno que pretende inovar na comunicação interna adotando uma nova ferramenta que vai melhorar a atualização dos conteúdos através da descentralização.
A pessoa conversa com os funcionários e detecta uma baixa adesão aos canais atuais, descobre que a causa são os conteúdos pouco atualizados, cota uma plataforma (muito, mas muito mais barata do que a máquina), a duras penas compra a plataforma, a duras penas implementa, percebe que as pessoas estão muito mais engajadas com os conteúdos da empresa (comprova isso com as estatísticas da plataforma) e entende que sua inovação deu resultado, gerando valor para a empresa.
Mas, faltou uma parte: qual o resultado que este custo está trazendo para a empresa? Quais os KPIs que foram alterados? Por que a empresa deve seguir pagando a plataforma pelos meses seguintes?
A resposta de RH ou comunicação interna é que se trata de algo subjetivo (pessoas!) e os KPIs em geral não são imediatos ou mesmo nem existem ou, ainda, não podem ser medidos.
A situação complica. As pessoas estão tendo que aprender a usar uma nova plataforma (o que incomoda), lideranças não têm tempo para esse aprendizado, pois precisam cobrar de seus times que sejam mais produtivos e engajados, compras precisa reduzir custos e por conta própria faz sua lista de economia (cortando a plataforma de comunicação interna porque não vê utilidade nela) e TI precisa reduzir o tráfego de rede sem gastar mais, então “desligar” a nova plataforma e voltar com a antiga forma é uma boa solução.
Além disso, sempre existe o Whatsapp e os e-mails que são de graça… Claro que esta história é fictícia e não acontece nas organizações onde trabalhamos, mas ela tenta mostrar que sim, a comunicação interna pode inovar.
É um campo de trabalho rico, pois lida com pessoas e suas multidisciplinaridades, com resultados espetaculares como engajamento, bem-estar, produtividade e felicidade. Ao mesmo tempo, lida com a subjetividade e, em muitas organizações e até mesmo geografias, com a fragilidade do conhecimento humano sobre o conhecimento técnico.
O primeiro, além de demandar mais tempo, exige sensibilidade, empatia, altruísmo… o segundo é imediato, prático, cartesiano… o primeiro vai garantir os resultados de médio e longo prazos; o segundo, o dia de amanhã. Alguém poderia dizer “não teremos amanhã se não vivermos hoje”; mas, ao mesmo tempo, o amanhã é o próximo hoje. Sim, é possível inovar na comunicação interna.
É claramente perceptível que nos países onde o desenvolvimento humano é mais acentuado (Alemanha, Suécia, Finlândia, Austrália e Canadá) proliferam tecnologias inovadoras orientadas para a comunicação interna. Estamos, claro, falando de cultura.
Cultura que forma líderes que compreendem que empresas são feitas de pessoas, que o hoje é importante mas que o amanhã também é. Que entendem que habilidades e competências se somam e não se anulam, que pragmático não é melhor do que subjetivo, mas são apenas dimensões distintas de uma mesma realidade… tudo isso demanda energia e perseverança, aprendizados e “desaprendizados”.
Por fim, fica o melhor algoritmo que conheço para a inovação: prepare o solo, treine os agricultores, compre o maquinário e só então semeie a inovação. Nesta ordem, se São Pedro ajudar, a colheita será rica e farta.
Texto de Luís Fernando Saraiva – CEO e Co-Founder da Sqed